Por Cristina Antunes


A Arte de Gramática da Lingoa mais usada na costa do Brasil foi escrita pelo padre José de Anchieta, da Companhia de Jesus, na segunda metade do século XVI.

Temos notícia de que, já em 1556, era usada uma versão manuscrita desta Gramática no Colégio da Bahia. O livro acabou sendo impresso apenas em 1595, dois anos antes de sua morte. Segundo a licença de Agostinho Ribeiro, “serviria muito para melhor instrução dos catecúmenos e aumento da nossa cristandade daquelas partes e para com mais facilidade e suavidade se plantar e dilatar nelas nossa Santa Fé”.

Anchieta, que missionou no Brasil desde 1553, notava (como seus contemporâneos) a grande semelhança da língua falada pelos indígenas do litoral: os tupis. Em uma carta de 1584, ele observa que todos os povos do litoral “têm uma mesma língua que é de grandíssimo bem para a sua conversão”. Seriam assim povos cuja identidade estaria associada à língua geral, como os jesuítas chamavam o “tupi universal” que inventaram. Ao lado da inegável semelhança de todos os dialetos tupis, o agrupamento das diversas “castas” resolveu-se na necessidade homogeneizadora que os primeiros missionários viam para lidar com os grupos nativos. Tratava-se de entender para transformar, compreender as culturas indígenas para substituí-las pelo Evangelho. Os jesuítas, desde cedo, determinaram que a catequese, ou a conquista das almas, seria mais facilmente realizada se usassem da língua dos naturais. Assim, a Gramática da língua mais usada na costa do Brasil surge como um instrumento da conversão do indígena.

Desta primeira edição, impressa em Coimbra por Antonio de Mariz, são conhecidos doze exemplares. Este da Biblioteca Mindlin foi comprado do livreiro Nico Israel, de Amsterdam. Na folha de rosto, vemos o emblema da Companhia de Jesus cercado por uma faixa elíptica com os dizeres "nomen domini tvrris fortissima". A frase é uma abreviação do provérbio “Torre forte é o nome do Senhor; para ela corre o justo, e está seguro” (Livro dos Provérbios 18:10).


Cristina Antunes foi curadora da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin e administrou a coleção de José e Guita por mais de 30 anos. Faleceu em 2019.