Por Sílvia Maria Azevedo

Embora Joaquim Norberto tenha transitado pelas áreas da poesia, do teatro e do romance, foi no campo da história onde ele sempre esteve mais à vontade, e no qual investiu seu fôlego de pesquisador aplicado e operoso. Dentro do gênero biográfico, Brasileiras Célebres, antologia de perfis femininos, alguns dos quais publicados anteriormente na Revista Popular, ilustra a aliança entre historicismo romântico e nacionalismo. Retomados na publicação de 1862, pela editora Garnier, os textos foram reagrupados em sete capítulos, que reverenciam “exemplos edificantes”, como a índia Paraguaçu, Clara Camarão, a beata Joana de Gusmão, Ângela do Amaral, “a musa cega”, Marília de Dirceu, dentre outras brasileiras que se destacaram “pelos talentos e virtudes como pelos feitos guerreiros”. Um painel dos principais acontecimentos da história do Brasil, desde os descobrimentos até o Império, antecede os capítulos e cumpre a função de traçar o caráter historicamente determinado da sociedade brasileira. Obra típica de seu tempo, Brasileiras Célebres não esconde seus propósitos pedagógicos, sendo destinada às escolas, como diz claramente o editor, “caso mereça a aprovação das respectivas autoridades”.

Assim como Garnier, a editora Laemmert também implantou uma linha de publicações didáticas, voltada para a história, e na qual colaboraram nomes de peso, como Joaquim Norberto. Sua História Brasílica, que primeiramente saiu na Revista Popular, em 1860, com o título “Considerações Gerais Sobre a História Brasileira”, acabou virando folheto didático, quando republicada no formato de almanaque pela Laemmert, dentro da proposta dos editores de popularização da história brasileira.

Nenhum desses trabalhos, no entanto, conferiu a Norberto tamanho prestígio de historiador, como a História da Conjuração Mineira, que veio a público, em 1873, pela Garnier. O livro se inscreve no interior de um sentimento patriótico e político de que participaram os escritores românticos, empenhados em conhecer e estudar a Inconfidência Mineira, assim também os poetas árcades, como expressão do processo de construção nacional. Mais diretamente, a obra de Joaquim Norberto resultou de uma iniciativa do Instituto Histórico, onde, em 1846, o último conjurado, José de Resende Costa, trouxe o seu depoimento. Na década seguinte, o historiador escrevia “A Cabeça de Tiradentes”, depois integrada aos Cantos Épicos, seguida da reunião de dados para a História da Conjuração Mineira e a leitura dos capítulos iniciais no Instituto Histórico, nos últimos meses de 1860, conforme o autor declara na “Advertência”.

As críticas ao livro de Norberto não demoraram a se fazer ouvir, vindas em particular de republicanos que na década de 1870 promoviam intensa batalha no sentido de transformar Tiradentes em símbolo da República. O gesto do inconfidente, segundo a História da Conjuração Mineira, que prestes a ser enforcado, teria se humilhado diante do algoz ao dizer-lhe - “Oh! meu amigo, deixe-me beijar-lhe as mãos e os pés!” -, despertou os ânimos de alguns jovens exaltados que, nas páginas dos jornais República e Reforma, passaram a atacar a obra de Joaquim Norberto, chamada por um deles de “livro do literato do Instituto Histórico”. Diante de tamanha celeuma, o historiador voltou aos arquivos para confirmar a informação, resultando dessa exaustiva e minuciosa pesquisa O Tiradentes Perante os Historiadores Oculares de Seu Tempo. Resposta a um Injusto Reparo dos Críticos da História da Conjuração Mineira, lida no Instituto, em 9 de dezembro e 1881, e publicada no mesmo ano na Revista do IHGB.

A partir do acesso a dois manuscritos do frei Raimundo de Penaforte, Memória do Êxito Que Teve a Conjuração de Minas e dos Fatos Relativos a Ela Acontecidos Nessa Cidade do Rio de Janeiro Desde o Dia 17 até 26 de Abril de 1792 e Últimos Momentos dos Inconfidentes de 1789 pelo Frade que os Assistiu de Confissão, Norberto teve condições de responder aos seus detratores e de escrever a “lenda brasileira”, O Martírio de Tiradentes ou Frei José do Restelo, publicada pela Garnier, em 1882. Reprodução fiel dos fatos relatados por Penaforte, a obra narra os quatro últimos dias dos inconfidentes, mantendo, em relação a Tiradentes, o gesto de beijar as mãos e os pés de seu algoz, “querendo talvez significar com este ato a mais severa humildade cristã” (p.85), na interpretação prudente do narrador.

Ardoroso defensor da língua nacional, em 1855, Joaquim Norberto propunha em artigo publicado na revista Guanabara, “A Língua Brasileira”, que fosse esse o idioma aqui falado, tese que reforça sua oposição frente àqueles, como Abreu e Lima e Gama e Castro, para os quais o idioma comum com Portugal impedia o processo de autonomia de nossas letras. Vinte anos mais tarde, o sentimento antilusitano de Norberto transformou-se em sentimento antifrancófono, em vista da influência da França na cultura brasileira no século XIX, com repercussão na língua. Com esse espírito, o pesquisador publica em 1877, pela Garnier, a obra Galicismos, Palavras e Frases da Língua Francesa Introduzidos por Descuido, Ignorância ou Necessidade na Língua Portuguesa, invocando, desta vez, as lições dos “mais notáveis escritores portugueses”, entre eles, Alexandre Herculano, Francisco Manuel do Nascimento (Filinto Elísio), Almeida Garrett.

A música foi outro território da cultura brasileira que não escapou à curiosidade do incansável pesquisador, resultando da investigação A Cantora Brasileira, obra que veio a público também pela prestigiosa editora Garnier, em 1878. A coleção, constituída de hinos, canções e lundus, traz, na primeira parte, composições patrióticas, entre outros, de Joaquim Norberto, como o Hino Comemorativo da Independência e Hino à Constituição do Império. Já as canções resultam da parceria de poetas eruditos letristas de canções de rua com músicos populares, muitos deles anônimos, caso das “Cantigas para a Mesa”, com poesia de José Bonifácio. Por fim, os lundus, gênero musical popular de ampla divulgação entre as camadas urbanas no século XVIII, são representados, em grande parte, pelas letras irreverentes e atrevidas do mulato brasileiro, Domingos Caldas Barbosa.

Coerentemente ao compromisso firmado com a pátria, desde a juventude, Joaquim Norberto, que já tinha incorporado o índio à história da literatura brasileira, traz por fim a contribuição do negro que, ao lado do branco, deram origem ao lundu, fazendo assim representar as três raças que participaram da configuração da nação brasileira.


Sugestões de leitura:

MIRANDA, José Américo, MOREIRA, Maria Eunice e SOUSA, Roberto Acízelo de (Orgs.). Joaquim Norberto de Sousa Silva: crítica reunida (1850-1892). Porto alegre: Nova Porva, 2005.

MOREIRA, Maria Eunice (org.) Falas diversas: quatro estudos sobre Joaquim Norberto. Porto Alegre: Centro de Pesquisas Literárias/PUC-RS, 2001.

TINHORÃO, José Ramos. A música popular no romance brasileiro. 3 vols. São Paulo: Ed. 34, 2000.

TINHORÃO, José Ramos. História social da música brasileira. São Paulo: Ed. 34, 1998.


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Sílvia Maria Azevedo: é professora no departamento de Literatura da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquista Filho" (UNESP/Assis).