Por Paulo Franchetti


Publicada em Paris, por um grupo de jovens intelectuais brasileiros, e trazendo como lema “tudo pelo Brasil e para o Brasil”, a revista Niterói tem sido apontada como um dos marcos da instauração do Romantismo em nosso país. O outro é a publicação, no mesmo ano de 1836, do volume de versos Suspiros poéticos e saudades, de autoria de um dos redatores da revista, Domingos José Gonçalves de Magalhães.

Niterói teve apenas dois números e boa parte dos seus textos foi assinada pelos redatores, que foram, além de Magalhães, Francisco de Sales Torres Homem, Manuel de Araújo Porto Alegre.

Pela natureza e variedade dos assuntos, situa-se a Niterói na linha dos periódicos dedicados à difusão da cultura literária e científica e à atualização da inteligência. Seus antecessores imediatos são o Journal de connaissances utiles (1830), na França, e, entre nós, o “jornal literário político, mercantil etc.” O Patriota, que circulou no Rio de Janeiro em 1813. Com espírito semelhante, no ano seguinte ao do aparecimento da Niterói, Alexandre Herculano fundará o jornal O Panorama, órgão da “Sociedade Propagadora dos conhecimentos úteis”, em Lisboa.

A ideia de conhecimento útil, aplicado ao desenvolvimento da civilização e ao aumento da glória nacional, comparece logo no prefácio “Ao leitor”, que abre o primeiro número da Niterói. Ali, a nova revista se apresenta em oposição aos demais periódicos, que desviam a atenção pública com “discussões sobre cousas de pouca utilidade”.

Nesse tipo de periódico dedicado à ilustração do leitor médio, a diversidade das matérias é naturalmente grande. O primeiro número da Niterói traz lado a lado um longo estudo sobre a morfologia e tipologia dos cometas e um debate sobre a economia escravista; um artigo de economia, no qual se analisa um relatório do governo, e dois textos sobre arte: o primeiro sobre a literatura e o segundo sobre a música no Brasil. O segundo número não é menos eclético: a um breve artigo sobre a missão social da religião seguem-se um extenso estudo de química industrial, dedicado à produção do açúcar e destilação de aguardente, e um comentário ao estado atual do comércio da França com o Brasil; a esse primeiro conjunto, uma segunda parte, dedicada mais propriamente às letras e artes, no qual convivem um relato de viagem à Itália e um breve panorama da história literária desde a antiguidade até o presente.

De todos os artigos publicados na Niterói, nenhum teria mais impacto do que o assinado por Gonçalves de Magalhães, Ensaio sobre a história da literatura no Brasil, que veio no primeiro número.

O ponto alto desse texto é a proposição de que existe, atuante ao longo da história da jovem literatura brasileira, um “instinto oculto”. Com essas palavras Magalhães designava uma determinante da percepção da realidade que, informada pela natureza e pelas condições de vida nesta parte do mundo, acabaria por se sobrepor à força da tradição e da educação clássicas, impostas por Portugal (daí também, talvez, o seu caráter “oculto”).

Essa é a primeira formulação cabal, no Brasil, de uma proposição que terá longa fortuna nos anos subseqüentes: a de que os temas, as formas e as técnicas da literatura européia se não obstruem, ao menos dificultam a expressão do caráter nacional na produção letrada do país. Uma ideia que, com variações de ênfase e modalização, vai encontrar refrações em Araripe Jr, Afrânio Coutinho e Antonio Candido.

Merece também destaque, na leitura da revista, o texto não assinado – mas de autoria de Porto Alegre – “Contornos de Nápoles”, bela peça de evocação romântica da paisagem e das ruínas da civilização do velho mundo.

Sugestões de leitura:

AMORA, Antonio Soares. “Apresentação crítica”. Em Nitheroy, revista brasiliense. São Paulo, Academia Paulista de Letras, 1978.

DOYLE, Plínio. “Introdução”. Em Nitheroy, revista brasiliense. São Paulo, Academia Paulista de Letras, 1978.


Paulo Franchetti é professor titular do Departamento de Teoria Literária da Unicamp.