Por Cristina Antunes


Houve um tempo em que me ocupei, com prazer e até com entusiasmo, das cousas velhas do meu país; em que lia com mais satisfação do que um romance, as crônicas de Simão de Vasconcellos, de Rocha Pita, de Pizarro, de Brito Freire, e as viagens de Mawe (...).

José de Alencar – Cartas sobre a Confederação dos Tamoyos. 1856. p.85.

A História da Guerra Brasílica é uma das melhores fontes portuguesas para os acontecimentos ocorridos durante o período holandês no Brasil do século XVII. Seu autor, Francisco de Brito Freire, nasceu no Alentejo, por volta de 1625, filho de família abastada, proprietária de terras e engenhos na Bahia. Seguiu a carreira militar em Portugal e, em 1653, foi nomeado almirante da frota da Companhia de Comércio do Brasil, responsável pelo golpe final na resistência holandesa em Pernambuco. De 1661 a 1664 foi governador da capitania de Pernambuco, que ainda sofria os efeitos da guerra e expulsão dos holandeses. De volta a Portugal, em 1665, governou a cidade de Beja, e em 1669, devido a desavenças políticas, foi preso na Torre de Belém e depois na de São Julião. Durante os seis anos de cativeiro escreveu a História da Guerra Brasílica, que pretendia ser uma resposta portuguesa ao livro de Barleus, encomendado por Maurício de Nassau para propaganda de seus oito anos de governo em Pernambuco.

O livro de Brito Freire começa com um belo frontispício gravado por Berain, contendo motivos de frutas brasileiras, além de um navio e algumas colunas, que representam Portugal abalando as colunas de Hércules e expandindo o universo com a descoberta de terras desconhecidas. É uma edição que apresenta evidente preocupação com o cuidado e a aparência suntuosa: para a obra ser impressa foram mandados vir de Amsterdam novos tipos, além de ter sido usado papel de grande marca, produzindo-se, assim, um dos mais belos livros portugueses do século XVII. Por ter estado em Pernambuco durante longo tempo e ter participado do final da guerra com os holandeses, Brito Freire estava numa posição que lhe permitia formar sua própria opinião sobre os eventos narrados na sua obra. Teve acesso à ampla documentação portuguesa e holandesa sobre o Brasil existente na época, e o resultado é um livro muito bem escrito e planejado, com um discurso rebuscado, cheio de detalhes curiosos e de observações precisas.

O texto é construído com base na cronologia dos eventos, nas fontes documentais e nos relatos dos acontecimentos. Ao mesmo tempo, tem características da literatura ficcional quando o autor interpreta e dá voz a seus personagens históricos e quando expressa uma opinião subjetiva acalorada. O primeiro capítulo trata das conquistas ultramarinas e das glórias de Portugal, mas o Brasil – ou Nova Lusitânia – é o tema central do livro, permeado pela narração de diversos episódios ocorridos em território brasileiro, pela descrição dos lugares, da imensidão das terras e sua abundância, da população e de seu modo de vida. Nos capítulos subsequentes trata da guerra holandesa na Bahia, das lutas dos holandeses e portugueses, da instalação dos holandeses em Pernambuco e da retirada dos moradores que se recusavam a permanecer sob seu domínio.

Apesar de ser português, Brito Freire reconhece a importância da ação cultural e política do Conde de Nassau em Pernambuco, referindo-se muitas vezes ao Recife como Maurícia, denominação dada pelos holandeses e não conservada pelos portugueses. No final do livro, existem mais dois textos do autor: A Viagem da Armada, sobre sua viagem de 1655 como comandante da frota portuguesa, e o Regimento, que contém as regras para o bom funcionamento e a administração da frota no mar. Em 1678 Brito Freire voltou ao mar, mas desta vez sem posto de comando. Morreu em Lisboa, em 1692.

Sugestões de leitura:

Francisco de Brito Freire – Nova Lusitânia: História da Guerra Brasílica. Com estudo do Prof. José Antônio Gonsalves de Mello. 2ª edição. Recife: Departamento de Cultura da Secretaria de Educação e Cultura, 1977. (Coleção Pernambucana, 5)

Francisco de Brito Freire – Nova Lusitânia: História da Guerra Brasílica; Viagem da Armada da Companhia do Comércio de Frotas do Estado do Brasil. Produção e organização de Murilo de Andrade Lima Lisboa. Edição atualizada e revista por Paula Maciel Barbosa. São Paulo: Beca Produções Culturais, 2001.



Cristina Antunes
foi curadora da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin e administrou a coleção de José e Guita por mais de 30 anos. Faleceu em 2019.