Uma das Salas da Biblioteca homenageia o compositor, maestro, violoncelista, pianista e violonista, considerado o maior nome da música erudita brasileira do século XX e que compôs cerca de mil obras
Publicado: 18/07/2025
Por Eliete Viana
Neste ano, em 23 de março, completou-se 12 anos da inauguração do prédio e do funcionamento pleno das atividades da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP. Levando em conta o gesto de doação do acervo pelo casal Guita e José Mindlin, realizado em 2006, mais 7 anos seriam somados à comemoração desta data.
Para contar um pouco mais sobre essa história, serão publicados uma série de textos sobre os espaços da BBM nomeados em homenagem a pessoas que, de alguma forma, estiveram ligadas à trajetória da Biblioteca: Laboratório de Conservação Preventiva Guita Mindlin, Sala Villa-Lobos, Sala de Consulta Rubens Borba de Moraes e Sala de Grandes Formatos Cristina Antunes.

O compositor Heitor Villa- Lobos. Foto: Fundo Correio da Manhã/Arquivo Nacional via Wikimedia Commons
Esta segunda publicação da série apresenta quem foi Heitor Villa-Lobos (1887-1959), que nomeia um espaço da BBM: a Sala Villa-Lobos, situada no térreo do prédio da Biblioteca, como uma forma de homenagear o compositor, maestro, violoncelista, pianista e violonista, considerado o maior nome da música erudita brasileira do século XX.
Espaço de muitas atividades
A Sala tem um piano de cauda e é onde ocorrem as apresentações musicais — a maioria delas são realizadas pelo projeto “Música na BBM”, do Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes (ECA), com curadoria do professor Eduardo Monteiro, com apoio e cessão de espaço da BBM —, e abriga outras atividades como palestras, conferências e seminários, além de lançamento de livros. A sala comporta 100 pessoas sentadas.

A Sala Villa- Lobos e seus espaços para apresentações musicais e outros eventos. Fotos: Julia Forner
Inicialmente, o espaço era chamado de "Sala de Música", em referência aos concertos realizados no local após a retirada da exposição permanente "Não faço nada sem alegria", em fevereiro de 2015. O piano de cauda chegou na sala em março do mesmo ano, quando os concertos foram iniciados.

À esquerda, o professor Eduardo Monteiro e, à direita, Gina Falcão e Pedro Vaccari em apresentações musicas na Sala Villa- Lobos. Fotos: Elena Souza/ BBM-USP
Na 11ª reunião do Conselho Deliberativo da biblioteca, de 21 de junho de 2016, o professor José Nicolau Gregorin Filho, então vice-diretor pro tempore da BBM, apresentou uma proposta para reformular o espaço e atribuir-lhe uma nova denominação. A primeira sugestão foi retirada de pauta, mas a segunda de nomear o espaço como "Sala Villa-Lobos" foi aprovada. Gregorin escolheu esse nome após pesquisar qual era o músico brasileiro preferido de José Mindlin, descobrindo que se tratava de Heitor Villa-Lobos.

Lançamento de livro e evento sobre literatura na Sala Villa-Lobos. Fotos: Feliza Santos e Julia Forner
Villa-Lobos compôs cerca de mil obras. Sua importância reside, entre outros aspectos, no fato de ter reformulado o conceito brasileiro de nacionalismo musical, tornando-se seu maior expoente. Foi também com ele que a música brasileira de concerto se tornou amplamente reconhecida em outros países. Agarrado ao violão, Villa-Lobos tocou com músicos do calibre de Pixinguinha, Donga, Sinhô, Quincas Laranjeira, Sátiro Bilhar e João Pernambuco, além de uma série de nomes destacados do choro, do maxixe e do samba carioca do início do século XX. Ao mesmo tempo, nos seus anos de formação ele se matriculou no Instituto Nacional de Música, onde teve aulas de harmonia, e também se aprimorou no piano e nas técnicas de composição erudita graças à sua primeira esposa, a pianista Lucília Guimarães.
Início na música
Villa-Lobos nasceu no Rio de Janeiro, no dia 5 de março de 1887, em uma família de classe média, com sete irmãos, a mãe dona de casa, Noêmia, e cujo pai, Raul, era bibliotecário na Biblioteca Nacional e autor de livros sobre história e geografia. Ele iniciou cedo na música, a partir dos seis anos de idade, aprendendo com o pai a tocar clarinete e violoncelo (este último em uma viola especialmente adaptada). Raul ainda lhe obrigava a exigentes exercícios de percepção musical que incluíam o reconhecimento de gênero, estilo, caráter e origem de músicas, de notas musicais e ruídos.
Além da cidade do Rio, ele viveu com a família em cidades do interior do estado do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, durante os anos de 1892 e 1893. Nessas viagens conhece as modas caipiras e os tocadores de viola, que formam parte do folclore musical brasileiro e, mais tarde, tornam-se referência para suas obras. Com a morte do pai, em 1899, a situação da família seria alterada sensivelmente. A mãe passou a trabalhar fora e o garoto, então com 12 anos e livre da vigilância paterna, começou a frequentar as noites cariocas.
Nos anos de 1905, 1908 e 1912, Villa-Lobos fez viagens pelo Brasil; respectivamente, pelos estados do Espírito Santo, Bahia, Pernambuco; no Paraná; depois passou pelas cidades de Salvador, Fortaleza, Belém, Manaus, onde conheceu a Amazônia — um fato que marcou profundamente sua obra. De volta ao Rio de Janeiro, conhece Lucília Guimarães (1886-1966), pianista, professora e compositora, com quem se casa em 1913. O ano de 1915 marca o início da apresentação oficial de Villa-Lobos como compositor, com uma série de concertos no Rio de Janeiro. Na época, ganha a vida tocando violoncelo nas orquestras dos teatros e cinemas cariocas, ao mesmo tempo em que escreve suas obras.
Semana de Arte Moderna
Visto na cena musical brasileira como um músico moderno, Villa-Lobos participou, a convite do escritor Graça Aranha, da Semana de Arte Moderna de 1922, apresentando, entre outras obras, as “Danças Características Africanas”. Em 1923, fez sua primeira viagem à Paris, França, onde começou a entrar no ambiente artístico através de Tarsila do Amaral e de outros artistas plásticos brasileiros, retornando ao Rio de Janeiro no ano de 1924.
Em 1927, o compositor voltou à capital francesa para uma temporada de três anos, desta vez em companhia de Lucília, para organizar concertos e publicar várias obras pela editora Max-Eschig, à qual foi apresentado em sua primeira ida ao país. Em 1931, apresentou na capital paulista a primeira grande concentração orfeônica de sua carreira, chamada de "Exortação Cívica" — que chega a reunir cerca de 12 mil vozes.
Ensino de música
No ano seguinte, Villa-Lobos foi convidado oficialmente por Anísio Teixeira, então diretor-geral de Instrução Pública do Distrito Federal, para reorganizar o ensino de música e do canto coral nas escolas do Rio de Janeiro e dirigir o Serviço de Música e Canto Orfeônico. Por causa deste trabalho, foi indicado para representar o Brasil no Congresso de Educação Musical em Praga, embarcando para a Europa em 1936. Ao voltar, assumiu sua relação com a professora e assistente Arminda Neves d’Almeida (1907-1985) – a Mindinha – que viria a ser sua segunda esposa.

Heitor Villa- Lobos regendo orquestra. Foto: Site Cultura Artística
Em 1942, criou o Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, cujos objetivos era formar candidatos ao magistério orfeônico nas escolas primárias e secundárias; estudar e elaborar diretrizes para o ensino do canto orfeônico no Brasil; promover trabalhos de musicologia brasileira; realizar gravações de discos etc. Dois anos depois, Villa-Lobos viajou pela primeira vez aos Estados Unidos, para onde foi várias vezes. Ele liderou também o processo de criação da Academia Brasileira de Música, em 1945, a qual presidiu a ABM até sua morte, em 17 de novembro de 1959, no Rio de Janeiro.
Legado
Arminda, que foi a companheira de Villa-Lobos em sua vida madura, atuando também como secretária, copista, tradutora e enfermeira, foi importante após a morte do marido pelo empenho para a criação do Museu Villa-Lobos, em 1960, e o estabelecimento de sua sede definitiva, em um casarão na rua Sorocaba no bairro de Botafogo, Rio de Janeiro. Ela dirigiu o Museu até o seu falecimento, em 1985. A instituição reúne objetos e documentos referentes à vida e à obra de Heitor Villa-Lobos. O acervo tem mais de 53 mil itens, entre partituras (manuscritas e impressas), correspondências, recortes de jornais, discos, filmes, livros, condecorações, instrumentos musicais e objetos de uso pessoal.