Ao completar o bicentenário da Independência e o centenário da Semana de Arte Moderna no ano de 2022, abre-se a oportunidade para refletir e redimensionar a história da nossa formação - do Estado e da Sociedade, assim como da cultura histórica brasileira. O projeto 3 vezes 22 não é apenas a celebração de duas datas canônicas, mas uma tentativa de entrecruzar as temporalidades da Independência (1822), do Modernismo (1922) e da história contemporânea (2022). As duas efemérides provocam uma reflexão não somente sobre a constituição do país no plano político, mas também sobre as identidades de pertencimento da sociedade. A Independência, como acontecimento, conjuga-se com o processo mais amplo de formação do Estado nacional, materializado pela soberania política, econômica e cultural, além da perspectiva de uma afirmação da singularidade nacional perante as demais nações. Como sabemos, no caso brasileiro a emancipação política não coincidiu com a afirmação da nacionalidade. Como alertou Sérgio Buarque de Holanda, a nação precedeu o nacionalismo, não constituindo um desdobramento natural do último: a construção de heróis, de símbolos e, inclusive, da própria narrativa de uma história nacional deu-se ao longo dos séculos XIX e XX. Numa certa perspectiva, o modernismo esteve imbricado com os dilemas culturais suscitados pela ruptura colonial. A geração modernista encampou a tarefa de refletir sobre esse momento decisivo, rompendo com a tradição estética legada do romantismo e produzindo uma influente, duradoura e nova interpretação da história do Brasil. Mas, como toda narrativa sobre o passado, a “reescrita da história” estabeleceu um novo panteão por meio da seleção de personagens, de eventos e de conceitos que, se por um lado iluminaram uma determinada versão da História do Brasil, por outro obscureceram narrativas e personagens. O entrecruzamento das narrativas históricas de 1822 e 1922 supõe também enfrentar a dialética entre memória e esquecimento, para que seja possível revelar personagens, acontecimentos e processos obliterados. Compreender a formação dos cânones e dos panteões em sua plena historicidade e temporalidade é refletir também sobre a pertinência de suas permanências, assim como de eleger novos personagens, acontecimentos e sentidos para a Independência e o Modernismo. O projeto 3 vezes 22, nesse sentido, pretende promover o confronto de três vinte e dois: o da Independência, o da Semana de Arte Moderna e aquele que nossa geração vivenciará. A reflexão crítica mediada pelos desafios do presente contemplará o legado deixado pelas narrativas sobre o movimento modernista, revisitando o patrimônio cultural acumulado trazendo à tona as zonas de sombra dos “tempos renegados”. A Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin possui um acervo valioso para auscultar territórios de pesquisa bibliográfica e documental ainda pouco palmilhados. Rever essas duas datas a partir dos desafios do tempo presente será nosso principal intento. Assim, o projeto 3 vezes 22 vale-se do rico material conservado na BBM para encontrar nos documentos, nos livros e nas interpretações, dominantes ou não, de nossa historiografia elementos que possam contribuir para a análise de nossa história, projetando questões que norteiem perspectivas de análise dos desafios contemporâneos.
Neste primeiro boletim, além de apresentarmos o projeto 3 vezes 22, trazemos à tona a temática dos manifestos como um importante instrumento de expressão política que representa os dilemas de cada geração a partir da modernidade – um instrumento novo para dar voz a novas perspectivas. Boletim recebeu também a contribuição de especialistas, como Cecília Helena de Salles Oliveira, João Paulo Garrido Pimenta e André Luis Rodrigues, que entregam uma visão acessível sobre os temas da Independência e da Semana de Arte Moderna. A Redacção deseja uma boa leitura!