Autor: Cartas do Padre Antônio Vieira

A copiosidade, variedade de assuntos, relevância política e densidade literária do epistolário do Padre Antônio Vieira (1608-1697) lhe conferem verdadeira autoridade no gênero. A coleção conhecida possui cerca de 750 cartas, havendo outras por descobrir ou editar, e representa o fruto de um longo trabalho de compilação iniciado logo depois da sua morte. O seu espólio, reunido pelo padre Antonio Maria Bonucci, jesuíta italiano a servir na missão da Bahia, foi entregue ao inquisidor geral de Lisboa, D. Nuno da Cunha, que o repassou posteriormente ao Conde da Ericeira, D. Luís de Meneses, com o qual Vieira manteve importante correspondência.

D. Luís ajunta ao espólio, além das cartas que Vieira lhe endereçara, também as reunidas pelo Duque do Cadaval, outro dos seus mais assíduos correspondentes, editando o conjunto em dois tomos, no ano de 1735, auxiliado pelo padre oratoriano Antônio dos Reis. Um terceiro tomo aparece em 1746, preparado pelo padre Francisco Antônio Monteiro. Nesse mesmo período, novas cartas foram incluídas nos volumes intitulados Vozes Saudosas (1736) e Voz Sagrada (1748).

No século XIX, com alguns acréscimos, as cartas foram reunidas em quatro tomos, na edição intitulada Obras Completas, lançada por J.M.C. Seabra & T. Q. Antunes, em 1854-1855, perfazendo um total de mais de 500 peças. Com outro pequeno acréscimo, a Empresa Literária Fluminense, 20 anos depois, editou essa correspondência em dois volumes. Nenhuma das edições, contudo, possui a qualidade e extensão da compilação de João Lúcio de Azevedo, saída em três volumes entre os anos de 1925 e 1928. Apresenta várias cartas inéditas, atingindo um total de mais de 720 unidades, com correções das versões anteriores, notas esclarecedoras sobre as personagens e assuntos implicados na correspondência.

Depois dela, novos pequenos acréscimos foram feitos por vários estudiosos, cabendo citar ao menos Clado Ribeiro Lessa (Cartas inéditas do Padre Antonio Vieira, RJ, Typografia S. José, 1934); Serafim Leite (Novas cartas jesuíticas: de Nóbrega a Vieira, SP, Companhia Editora Nacional, 1940); C.R. Boxer (Quatro cartas inéditas do Padre António Vieira, revista Brotéria, 45, de 1947); Aníbal Pinto de Castro (O Padre António Vieira e Cosme III de Médicis: com 4 cartas inéditas, Coimbra, Revista de História Literária de Portugal, 1, 1962).

Entre os principais correspondentes de Vieira estão D. Vasco Luis da Gama, Conde da Vidigueira, depois Marquês de Nisa, embaixador de Portugal em Paris; D. João da Silva, Marquês de Gouveia, membro do governo de D. João IV, e, como Vieira, desterrado de Lisboa durante o governo de D. Afonso VI; Duarte Ribeiro de Macedo, enviado diplomático a Paris e depois a Madrid; D. Rodrigo de Meneses, regedor de Justiças, homem de confiança do rei D. Pedro; D. Teodósio de Melo, cônego da Sé de Lisboa; D. Nuno Álvares Pereira de Melo, Duque do Cadaval, outro dos desterrados de D. Afonso VI, destacando-se depois nos combates contra Castela.

Pelo elenco dos carteadores mais assíduos de Vieira, está claro que o jesuíta entendia a correspondência no âmbito da ação e da conversa políticas. Escreve, sobretudo, a homens ligados ao governo de D. João IV, os quais, com a morte do soberano, constituíram a facção que tomou o partido da regente D. Luísa contra a subida ao trono de Afonso VI. Mais tarde, à notável exceção do Padre Vieira, retornaram ao poder com o governo do Príncipe D. Pedro.

Os principais conjuntos temáticos de sua correspondência são (a) as missões diplomáticas a Paris, Haia e Roma, a serviço de D. João IV, a quem cabia a difícil missão de sustentar a coroa portuguesa em meio a guerras contra Espanha e Holanda; (b) as questões relativas à autonomia das missões jesuíticas implicada nas entradas ao sertão e no trato dos negócios indígenas em suas relações com a metrópole, o governo local, os moradores e as demais ordens religiosas; (c) as muitas questões envolvidas no processo movido contra ele pelo Tribunal do Santo Ofício de Coimbra, sob alegação de vários crimes de heresia, especialmente os de judaísmo, bem como nas suas tentativas de obter junto ao Papado as “reformas dos estilos” da Inquisição portuguesa, o que incluía garantia de não confisco dos bens dos judeus e cristãos-novos que aplicassem o seu cabedal nas companhias de comércio marítimo que Vieira sugeria criar em Portugal, entre outros.

Costumam ser destacadas do conjunto a Carta Ânua da Província do Brasil, escrita em língua latina, por ordem do Provincial da Bahia ao Geral da Companhia, dando conta das ocorrências dos anos 1624-25, quando a cidade da Bahia cai sob ataque holandês, bem como a carta conhecida como “Esperanças de Portugal, V Império do Mundo”, de 29 de abril de 1659, a propósito da morte de D. João IV, dirigida ao Padre André Fernandes, SJ, confessor da viúva D. Luísa, a qual teria fatais conseqüências para a sua vida, uma vez que se tornou a base da qualificação dos crimes que lhe foram imputados pelo Tribunal do Santo Ofício de Coimbra.