Por Cristina Antunes


O barroco vigorou no Brasil no século XVII e início do XVIII, influenciado pelo gongorismo espanhol e com características do barroco europeu, numa época de transição entre uma visão de mundo teocêntrica e antropocêntrica.

Nessa visão antagônica, o homem tenta conciliar a renovação cultural trazida pelo Renascimento, a consciência da grandeza e do valor do Homem, com as idéias religiosas de pecado, a busca angustiada da salvação, o reconhecimento de seu aniquilamento e morte, a submissão e pequenez diante de Deus. Daí o estilo literário barroco ser marcado pela linguagem rebuscada, pelo uso de metáforas, duplo sentido, antíteses e paradoxos, valorizando ao mesmo tempo o conceito e a forma e imagem, o jogo de palavras e o jogo de ideias.

Segundo alguns autores, o marco inicial do barroco brasileiro é o poema épico sobre a conquista de Pernambuco, Prosopopéia, de Bento Teixeira Pinto, publicado em 1601. Para outros, esse marco é a obra Musica do Parnasso, de Manoel Botelho de Oliveira, publicada em 1705. O certo é que o marco final são as Obras Poéticas, de Cláudio Manuel da Costa, de 1768. Entre os grandes representantes do estilo barroco brasileiro estão o poeta Gregório de Matos e o Padre Antônio Vieira, com seus Sermões.

Musica do Parnasso vem à luz quando já se consolidava uma reação à poesia seiscentista italiana e espanhola. Seu autor, Manuel Botelho de Oliveira (1636-1711), nasceu em Salvador, Bahia. Estudou Direito na Universidade de Coimbra e retornou ao Brasil, onde exerceu a advocacia, foi vereador em Salvador e Capitão-mor de ordenanças. Em 1705, com quase 70 anos, seu Musica do Parnasso – cujos versos circulavam em cópias manuscritas, como acontecia com outros poetas contemporâneos – é publicado em Lisboa.

A obra é dedicada a D. Nuno Álvares Pereira de Melo, Duque de Cadaval. Trata-se de uma obra complexa, dividida em várias partes, que faz uso constante de analogias e é escrita em quatro línguas (a maior parte dela é em castelhano, mas contém também trechos em português, italiano e latim). No prólogo ao leitor, o autor justifica essa escolha para que se entenda que uma só Musa pode cantar com diversas vozes e para mostrar “que tinha de toda a Poesia”. Diz ainda que se o leitor não estimasse a poesia pela elegância do conceito, ao menos o faria pela multiplicidade das línguas. Seu poema mais conhecido é dedicado À Ilha de Maré, que louva a terra e descreve os muitos frutos do Brasil e a inveja que esses fariam às cidades europeias.

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As plantas sempre nela reverdecem, e nas folhas parecem, desterrando do Inverno os desfavores, esmeraldas de Abril em seus verdores, e delas por adorno apetecido faz a divina Flora seu vestido. As fruitas se produzem copiosas, e são tão deleitosas, que como junto ao mar o sítio é posto, lhes dá salgado o mar o sal do gosto. As canas fertilmente se produzem, e a tão breve discurso se reduzem, que, porque crescem muito, em doze meses lhe sazona o fruito, e não quer, quando o fruto se deseja, que sendo velha a cana, fértil seja. As laranjas da terra poucas azedas são, antes se encerra tal doce nestes pomos, que o tem clarificado nos seus gomos; mas as de Portugal entre alamedas são primas dos limões, todas azedas. Nas que chamam da China grande sabor se afina, mais que as da Europa doces, e melhores, e têm sempre a ventagem de maiores, e nesta maioria, como maiores são, têm mais valia. Os limões não se prezam, antes por serem muitos se desprezam. Ah se Holanda os gozara! Por nenhuma província se trocara.

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Na dedicatória de seu livro, diz que “nesta America inculta, habitação antiguamente de Barbaros Indios”, mal se poderia esperar que as “Musas se fizessem brasileiras”, mas passaram para esse país onde “encontrarão muitos engenhos que imitam aos Poetas de Itália e de Espanha”. Ainda na dedicatória, afirma que decidiu publicar os versos ao menos para ser o primeiro filho literário brasileiro a ter um livro publicado. Foi dessa forma que Manoel Botelho passou à história, embora pense e escreva como um europeu. No final da obra, acrescenta duas comédias: Hay amigo para Amigo e Amor, Engaños y Celos. Esta primeira edição de Musica do Parnasso, datada de 1705, é hoje obra muito rara.

Sugestões de leitura:

OLIVEIRA, Manoel Botelho de. Música do Parnaso. Organização e estudo crítico por Ivan Teixeira. São Paulo, Ateliê Editorial, 2005.

OLIVEIRA, Manoel Botelho de. Poesia completa: Música do parnasso. Lira sacra. Introdução, organização e fixação de texto de Adma Muhana. São Paulo: Martins Fontes, 2005.


Cristina Antunes foi curadora da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin e administrou a coleção de José e Guita por mais de 30 anos. Faleceu em 2019.