Por Paulo Franchetti


Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) nasceu e morreu no Rio de Janeiro. Considerado o maior romancista brasileiro, foi também, além de brilhante contista, mestre da crônica, crítico influente, dramaturgo respeitável e um dos mais importantes poetas do tempo. Seus primeiros trabalhos em forma de livro são Queda que as Mulheres Têm para os Tolos (tradução da obra de Victor Hénaux) e Desencantos (teatro), de 1861. Em 1864 publica seu primeiro livro de poemas, Crisálidas; e em 1870, o primeiro livro de histórias curtas, Contos fluminenses. Dois anos depois, em 1872, vem a público seu primeiro romance, Ressurreição.

Costuma-se dividir a obra de Machado em dois períodos: o marco divisório seria a publicação de Memórias póstumas de Brás Cubas, em 1881. A virada teria começado, portanto, após a publicação de Iaiá Garcia, em 1878. É provável que a nova orientação da obra de Machado tenha origem numa grande polêmica que agitou a intelectualidade carioca nesse mesmo ano, com a chegada do novo romance de Eça de Queirós, O Primo Basílio, que representava a nova maneira naturalista. Machado reagiu fortemente ao livro de Eça com uma resenha publicada na revista O Cruzeiro, na qual o acusa de imoralismo e de inconsistência estética. Seu artigo foi motivo de contestação por outros intelectuais, Machado escreveu uma réplica e, a partir daí, seguiu-se uma grande atividade de imprensa contra e a favor do naturalismo, na qual Machado é sistematicamente identificado ao conservadorismo. No final desse ano, o escritor, doente e fatigado, abandonou a colaboração na imprensa periódica e, de licença de três meses do serviço público, retirou-se com a mulher, Carolina, a Nova Friburgo, ausentando-se pela primeira vez de sua cidade. O retiro parece ter permitido a Machado uma reflexão sobre os rumos da sua obra, em face do desafio da modernidade naturalista. De fato, parece ter começado a redigir aí – ou, melhor, ditado a sua mulher, já que apresentava problemas de vista – o livro que representará uma revolução no seu estilo e será uma das obras-primas da literatura de língua portuguesa, além de inaugurar uma série impressionante de romances em que não há um só que não seja excepcional: Quincas Borba, Dom Casmurro, Esaú e Jacó e Memorial de Aires.

Machado foi um crítico irredutível do naturalismo em todas as suas formas. Sua atividade crítica, aliada à exemplaridade da sua prática poética, é uma das causas da transformação (ou absorção) do Realismo pelo Parnasianismo, no Brasil. E um ensaio seu, publicado ainda no rescaldo da polêmica sobre o livro de Eça de Queirós, em 1879, intitulado “A nova geração”, pode ser considerado a base dos padrões de gosto e de valor que irão orientar não só a prática, mas principalmente a historiografia literária imediatamente subsequente. Embora seja um poeta de nível, sua obra em versos parece hoje inferior aos romances da idade madura. Mas nem por isso a sua poesia deixa de elevar-se muito acima da média do tempo. Em certo sentido, pode-se dizer que, se no Machado prosador houve uma transformação para melhor por volta de 1880, o mesmo não ocorreu ao Machado poeta. Este se manteve estável, desde os primeiros aos últimos livros, nos limites de uma linguagem contida e de um tom reflexivo e sentencioso. Daí que os seus poemas mais reconhecidos sejam os de caráter alegórico e os apólogos.

Seu teatro teve também importância e qualidade (bem como a intensa atividade de crítica dessa arte), mas foi na crônica de jornal que o escritor atingiu o mesmo alto nível e o mesmo destaque que obteve nos contos e romances.

Sugestões de leitura:

BAPTISTA, Abel Barros. A Formação do Nome. Campinas, Ed. da Unicamp, 2003.

BAPTISTA, Abel Barros. Autobibliografias: Solicitação do Livro na Ficção de Machado de Assis. Campinas, Ed. da Unicamp, 2003.

BOSI, Alfredo. Machado de Assis: O Enigma do Olhar. São Paulo, Ática, 2000.

CHALHOUB, Sidney. Machado de Assis: Historiador. São Paulo, Companhia das Letras, 2003.

FARIA, João Roberto (org.) Machado de Assis: do teatro. São Paulo: Perspectiva, 2008.

FRANCHETTI, Paulo. “Apresentação”, em Machado de Assis, Dom Casmurro. Cotia: Ateliê Editorial, 2008.

SCHWARZ, Roberto. Ao Vencedor as Batatas: Forma Literária e Processo Social nos Inícios do Romance Brasileiro. São Paulo, Duas Cidades, 1977.

SCHWARZ, Roberto. Um mestre na periferia do capitalismo - Machado de Assis. São Paulo: Duas Cidades, 1990.



Paulo Franchetti
é professor titular do Departamento de Teoria Literária da Unicamp.