Minha vida de menina foi a novidade do vestibular da FUVEST de 2018. Trata-se de um diário escrito entre 1893 e 1895 pela adolescente Alice Dayrell Caldeira Brant, nascida em Diamantina (Minas Gerais) em 1880, que o publicaria como livro somente em 1942, por meio do pseudônimo de Helena Morley, quando a autora já tinha 62 anos.
O livro narra o cotidiano da personagem no interior de Minas Gerais, num momento de profundas transformações da sociedade brasileira pós-abolição e Proclamação da República, sem contudo, deixar de evidenciar as contradições de uma sociedade cujos pés ainda estavam significativamente enfincados no passado, escancaradas pelo preconceito racial, pela política coronelista e pelos limites de uma economia extrativa dos mineradores de Diamantina.
A narrativa, todavia, é feita a partir do olhar e das impressões de uma adolescente, produzindo registros muitas vezes leves, espontâneos e até mesmo pueris, retratando esse cotidiano da menina. Originária de uma família muito particular para a sociedade brasileira, Helena tinha de sua linhagem materna uma família tradicional e escravista mineira, enquanto de seu pai, minerador, acabava recebendo influências dos valores trazidos por seu avô, um médico inglês.
Ainda que aclamado pela crítica no período de seu lançamento, recebendo elogios de autores do peso de Carlos Drummond de Andrade e de Guimarães Rosa, podemos dizer que somente foi alçado ao panteão de obras fundamentais da literatura brasileira a partir das análises de Alexandre Eulálio e de Roberto Schwarz. Se Eulálio chega a intitular sua apresentação de uma das edições de Minha vida de menina como “Livro que nasceu clássico”, Schwarz, por sua vez, apresenta Helena Morley na mesma grandeza da personagem clássica de Machado, Capitu.
Minha vida de menina, assim, incluiu na FUVEST um gênero textual diferente das outras obras selecionadas para o vestibular de 2018. A partir do diário de Helena Morley os vestibulandos terão contato com um texto possivelmente de mais fácil leitura, contudo, cujo relato acaba por iluminar as contradições de nosso passado que ainda se fazem muito presentes na sociedade brasileira contemporânea.